Jaqueline Lima
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readFeb 28, 2024

--

O Desconforto Feliz

istockphoto

Quando a gente é jovem fazemos algumas loucuras. Às vezes perdemos a noção do perigo, do limite, do ridículo. Sempre gostei muito de festas, de baladas, de dançar com os amigos. Sigo gostando, mas hoje a situação é diferente. O fato é que dói aqui, dói ali. O tempo é curto. A disposição diminui consideravelmente, e por aí vai. E acabamos com uma programação mais intimista. Grupos menores. Atividades tão prazerosas quanto, só que com menos esforço físico.

Lá pelos anos 2000, em uma dessas baladas maravilhosas eu e um grupo de amigas nos planejamos para o fim de semana. Era uma boate badalada e a gente ia assistir a nossa banda preferida. Além disso, tinham os rapazes que estávamos paquerando e estariam lá.

Durante a semana compramos roupas novas e sapatos. Nos encontramos na hora do almoço e como trabalhávamos todas perto uma das outras, foi fácil nos organizar e fazer as comprinhas. Em um determinado momento, alguém teve a brilhante ideia de comprar uma cinta nova, daquela que estavam na moda. Pareciam feitas de plástico misturado com metal, mas faziam qualquer corpo ficar escultural em fração de segundos. Nós experimentamos a peça, e realmente, o resultado era encantador. Compramos, evidentemente.

O sábado aguardado chegou. Fomos para o salão arrumar os cabelos, as unhas como de costume na vida de mulheres jovens, independentes e que gostam de se divertir. Passamos a semana comendo ‘alface e água’ com o objetivo de entrar perfeitamente nas roupas novas e causar uma boa impressão.

Comecei a me arrumar e quando coloquei a cinta senti um leve desconforto, mas como uma amiga disse que ‘era normal, depois sedia’ acreditei e continue com o suplício. Colchete a colchete. Um a um. Puxa daqui, espreme dali. Tudo pronto. Toda linda! A amiga que tinha carro e não bebia, saiu recolhendo cada uma de nós, como sempre fazia. Éramos quatro. Chegamos na Boate da moda. Na fila percebi que uma das minhas amigas mal conseguia acompanhar as pessoas.

Amiga, tudo bem?

Não sei. Talvez. Alguma coisa está acontecendo, mas ainda não sei o que é.

Se apoia em mim. Chegando lá dentro a gente vai ao banheiro.

Agora parece que melhorou. É só ficar ereta que dá certo.

Entramos. Fomos pegar algo para beber. Nos aproximamos do palco. De longe vimos os rapazes chegando. Começamos a dançar e beber e dançar e beber. Até que o show começou. Ficamos encantadas. E cantamos e dançamos muito.

Num determinado momento os rapazes se aproximaram e começaram a tentar conversar, mas o barulho e a empolgação era tanta que não houve jeito. Olhei para a minha amiga, aquela da fila, e ela estava ajoelhada com as mãos na barriga passando muito mal.

Fomos ajudá-la. Quando eu me curvei na sua direção deu uma pontada na minha barriga que eu também ajoelhei de dor. Quando a gente percebeu estávamos nós quatro ajoelhadas no chão da boate, nos contorcendo de dor. Os rapazes olhando para aquelas criaturas loucas, sem entender nada. A gente começou a rir no meio do desespero. Mas sentindo muita dor. Com cuidado fomos nos levantando e indo em direção ao banheiro. Fiz sinal para os rapazes que aguardassem. Chegamos muito suadas. Com muito sacrifício, conseguimos escavar as cintas em nossas barrigas abrindo os famigerados colchetes da morte. Nossa! Que alívio! Foi uma sensação maravilhosa. Libertadora.

Jogamos aquelas porcarias fora imediatamente. Passamos uma água no rosto. Retocamos a maquiagem e voltamos para a pista. Nos acabamos de tanto dançar. Acabou o show. Todos com muito calor. Saímos da boate com nossos novos namorados e fomos comer o melhor cachorro quente da Savassi. E aí é que fui narrar a história para que eles pudessem entender. Demos muita risada. Serviu de lição. Com nossos corpos desconjuntados de acordo com o padrão imposto pela sociedade, pudemos compreender que para ser feliz precisamos de pouco. Muito pouco. Naquele momento: risada descontrolada, amigos e cachorro quente. Somente.

--

--

Jaqueline Lima
Comunidade da Escrita Afetuosa

Sou de Belo Horizonte e sempre gostei muito de ler. Sou escritora. Gosto de viajar, de dançar e tomar um bom vinho com os amigos. Amo livro de papel !