Ainda lembro
Do que é feita uma cidade? Ruas? Praças? Cimento? Casas? Calçadas?
Não.
Uma cidade é feita de gente. De vidas. De histórias. Uma cidade é feita de cheiros. De sons. De sabores. De amores. Itaguara é assim. Uma cidade que era pequena na minha infância. Distante. Continua pequena. Vivi pouco tempo por lá, mas ainda me faz lembrar.
Do que é feita uma pessoa? De carne? De ossos? De veias? De pele?
Não.
Uma pessoa é feita de fé. De crença. De valores. De amores. De esperança. De sonhos. De lembranças.
Ainda me lembro do cheiro do bolo. Do perfume suave da Dama da Noite. Do rastro deixado pelas pitangas maduras. Do perfume da maçã enrolada no papel roxo. Ou dela caramelada e vendida na Festa do Rosário como ‘Maçã do Amor’. Da rosa amarela no jardim da Casa da Rua Cláudio. Da loção de barba silvestre do papai. Do almíscar perfumoso da penteadeira da mamãe. Do talco de pompom da vovó. Cheiros de infância.
Não esqueço da gamela de pão de queijo, e da fornada saindo quentinha do forno a lenha da Casa da Tia. Do quebrador derretendo na boca. Do pedaço da rosca de canela. Da nuvem branca do algodão doce, dissolvendo lentamente nas boquinhas ávidas nos dias de festa na Praça. Da pipoca estourada no óleo dormido. Do pirulito de chocolate em formato de sombrinha, comprado na venda do Domingos. Do picolé de coco da padaria do Tio Nhô. Da laranja Serra D’água do laranjal do Sr. Geraldo. Das frutas maduras nos pés sorvidas em abundância. Gosto de infância.
O sino repicava tristonho quando alguém morria. Dobrava o repico alegre na Semana Santa quando Jesus ressuscitava. Ouço ainda a Verônica cantando seu canto triste. Achava lindo. Cantava em latim. Os barulhos estridentes que faziam as matracas. O canto místico dos Ternos do Reinado. Ainda escuto o barulho da água descendo em cascata, batendo nas pedras, rodando o moinho. O canto da seriema lá na colina em uma toada melancólica ao entardecer. O som das vozes do Sr. Chico contando histórias. O riso frouxo das crianças correndo pelo pátio da Escola. A música alegre e vibrante das Patotinhas divertindo a gente na Semana da Criança. Sons da infância.
Cheiros. Sabores. Sons. Lembranças. Recordo. Ainda sinto o perfume, o gosto, o barulho. Ainda lembro. De tudo.
