Jaqueline Lima
Comunidade da Escrita Afetuosa
4 min readFeb 28, 2024

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A Gafe Aérea

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Adoro viajar! A passeio, a trabalho ou por qualquer motivo. É só me chamar que vou. Sempre aproveitei, nas viagens, tudo o que me poderiam oferecer, tanto de conhecimento, quanto de lazer. Quando a gente se entrega ao rito surpreendente das viagens é possível conhecer muitas pessoas, peculiaridades, lugares, aromas, sabores, cores. Experiências. Um mundo de possibilidades. Viajar pra mim é usufruir de p.o.s.s.i.b.i.l.i.d.a.d.e.s. É sempre prazeroso e excitante.

Viajo muito por causa do meu trabalho e conheço quase todo o Brasil. O projeto que desenvolvo é nacional e tenho que levar conteúdo, realizar e participar de eventos por todo o canto, e isso é muito importante para mim, para o projeto e para os clientes. Propósito.

Numa dessas viagens fui a Manaus. Não era a minha primeira vez em visita a verdejante cidade, por isso, já sabia como era todo o processo de chegada. Longo trajeto. A jornada normalmente parte de Belo Horizonte, às vezes para São Paulo, outras até Brasília e de lá outro voo para Manaus. A gente fica um bom tempo sobrevoando a Floresta Amazônica. É uma experiência linda de viver. Os rios caudalosos vão serpenteando por entre o mar verde, num corte preciso, formando desenhos que parecem pintados à mão. A extensa e densa Floresta vai se esticando até o horizonte sem fim. Emenda com o céu. Lá embaixo os pássaros sobrevoam a Floresta em um balé bonito e colorido. Parecem fazer ronda, cuidando da imensidão verdejante, sem fim.

Viagem acontecendo normal, após a saga pra chegar em Brasília. Pego outro voo, e lá vamos nós em direção a cidade-destino. Em determinado ponto, quase chegando em Manaus, a internet dá uma falhada, as luzes piscam parecendo que o avião sai do piloto automático e passa para as mãos do piloto humano. Muitos dizem que é um pequeno trecho de ‘buraco negro’ que existem em cima da Floresta. Se é verdade eu não sei, mas todas as vezes que fui à Manaus aconteceu algo estranho bem nesse trecho da viagem. Só que dessa vez para agravar o meu medo veio uma turbulência daquelas. Há muito tempo não passava por uma tão grande. O piloto avisou, mas não teve jeito. Avião balançando pra lá e pra cá. Tive a sensação de estar fazendo um cruzeiro marítimo, não um voo. E avião balança, e cai máscaras de oxigênio, e cai pertences do bagageiro, e passageiro em pânico gritando. Um terror! Não sabia se ria ou se chorava. Parecia cena de filme. Confesso nunca ter passado por uma turbulência tão forte assim. Achei que ia morrer e fui logo pedindo perdão pra Deus. Lembrei dos meus desafetos. Que são poucos, mas existem. Pedia que se fosse para ser, que fosse rápido, pra que ninguém sofresse tanto, ou mais do que já estávamos sofrendo.

Do meu lado estava um senhor que desde o início do voo estava bem desconfortável. Com muito medo. Todo barulho ele entrava em pânico infinito. Eu disse que era tranquilo, que já tinha feito aquele trajeto e que tudo iria correr bem. Só não contava com essa turbulência. Nessa hora, olhei para o pobre homem e consegui enxergar a sua alma saindo do corpo. Estava sem cor. Sem reação. Sem vida. Apertou a minha mão de uma maneira que se eu não morresse com a queda do avião, com certeza seria com gangrena na mão.

A turbulência foi passando depois de infinitos 15 minutos, que pareceram horas. O homem com uma das mãos agarradas na máscara de oxigênio respirando todo o ar do avião, e a outra esmagando a minha mão, estava em estado de choque total.

Senhor, senhor fica calmo a turbulência está passando. Eu dizia.

Passou? Ou e gente já morreu? Eu tô vivo?

Tá sim. Estamos todos assustados, mas vivos. Essa foi das boas!

Misericórdia Divina! Achei que dessa vez eu não escapava.

Senhor, solta a minha mão por favor?! Brigada.

Balancei a mão num gesto desesperado. A mão doía mais do que a cabeça, e ele sem graça me pediu desculpas. Contou que ia nos garimpos comprar pedras e ouro. Que viaja sempre, mas que nunca acostumou com essa vida. Às vezes ia de ônibus, mas quando eram grandes distâncias, não tinha jeito, tinha que ir de avião. Falava em se aposentar, mas o trabalho era bom e rendia um bom lucro.

O piloto falava tentando acalmar a todos, os comissários e comissárias de bordo passavam pelo corredor tentando ajeitar tudo. Lá pelas tantas, quase chegando a hora de pousar, o senhor que estava ao meu lado vira para mim e diz:

Onde fica aquele bote salva-vidas que flutua na água? Procurava passando as mãos por debaixo do assento.

Eu sem nem pensar, com a cabeça doendo feito um sino de bronze, soltei a ‘pérola’:

O que flutua é o assento senhor, mas não se preocupe, o senhor não vai precisar dele, porque se a gente cair, cairemos no meio da Floresta.

O homem arregalou os olhos pra mim e aí eu percebi a gafe que eu acabara de cometer. Imediatamente me deu uma vontade de cair na risada descontroladamente, mas o piloto anunciou a nossa aterrisagem e fomos nos preparando para pegar os pertences e descer o mais rápido possível.

Ao descer do avião pude ver de relance o homem ajoelhado no cimento do campo de pouso do aeroporto, beijando o chão e agradecendo por estar vivo. Apertei meu passo pra pegar a bagagem e nunca mais encontrar esse ‘pé frio’ nas minhas andanças.

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Jaqueline Lima
Comunidade da Escrita Afetuosa

Sou de Belo Horizonte e sempre gostei muito de ler. Sou escritora. Gosto de viajar, de dançar e tomar um bom vinho com os amigos. Amo livro de papel !