Jaqueline Lima
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJan 29, 2024

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A Filha Primitiva

Conheci Vanessa Passos, a escritora de ‘A Filha Primitiva’, ano passado na Flip — Feira Literária de Paraty. Eu e algumas colegas escritoras fomos para uma Mesa, bem cedo, escutar o processo criativo de outras escritoras. Foi muito intenso. Conversamos com Vanessa. Com as outras escritoras. Comprei o livro. Levei-o para casa, junto com tantos outros. Na vontade imensa de ler todos, tive que me organizar e entre leituras e escrita, só consegui ler ‘A Filha Primitiva’ agora. Nesse fim de semana. Devorei. Foi muito envolvente. Uma história vigorosa de mulheres fortes e fracas. Libertas e vulneráveis. Crentes e descrentes. Modernas e antigas. Tudo ao mesmo tempo. A narradora conta a sua história, a da mãe e a da filha que se entrelaçam, entre o passado e o presente, se confundindo, fundindo, tudo muito embaçado e às vezes com uma clareza desconcertante.

Gostei muito da maneira como o livro foi sendo discorrido. Uma das partes que me tocou foi quando a personagem fala sobre seu processo de escrita. No meio da sua vida maluca e obscura ela escreve um romance. Ela aponta como tinha se dado conta que quando se tornou mãe, a chegada da filha a engravidou de novas palavras. Ela passou a pensar como escrever é um parto infinito. Ela disse que a gente vai parindo devagarzinho, letra por letra, que se as palavras não saem ficam encruadas dentro fazendo mal, ferindo a gente feito farpa que entra no dedo. Ela completa: “Dói parir palavras. Dói mais ainda viver com elas dentro. Nem todo mundo que escreve sabe sobre parir, o que é ser mãe de palavras. Não sabe o que é lamber a cria. Não conhece a culpa que mãe carrega. A dor que é escrever. Não se deu conta de que é preciso parir pra escrever.”

Eu nunca pari gente. Mas já pari muito texto. Poesia. Agora estou ‘esperando’ um livro. Sei o que é a dor de pequenos partos literários. Se a dor é a mesma, não sei. Mas o processo é lento. Pode levar mais de nove meses. Ou pode ser nove dias. Depende do tamanho e da imensidão do filho. O que sei é que, tanto para parir gente, quanto para parir textos e livros é preciso coragem. Se preparar e ter a certeza de que, depois que nascem a vida da gente muda. Às vezes um pouco, às vezes muito, às vezes pra sempre.

A história do livro nos faz refletir na importância de mergulhar no enigma da vida, das coisas, dos detalhes. Dessa complexa relação entre mãe e filha, o desamparo, o amor, o ódio que se misturaram, mostra o quanto somos vulneráveis, imperfeitos e frágeis. Mas ao mesmo tempo como podemos ser honestos, corajosos e amorosos, com os nossos, e com a gente mesmo.

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Jaqueline Lima
Comunidade da Escrita Afetuosa

Sou de Belo Horizonte e sempre gostei muito de ler. Sou escritora. Gosto de viajar, de dançar e tomar um bom vinho com os amigos. Amo livro de papel !